terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Elogio (ligeiramente) exagerado da Toscânia: parte II, as oficinas

Na Toscânia, as oficinas de carros têm dezenas de quadros na parede, nos quais, como janelas, os mecânicos se podem debruçar para inspirar o ar perfumado de cada um, esquecendo o odor do óleo, a pressão nas têmporas do monóxido de carbono, o cheiro a borracha queimada dos pneus, e regressando depois à sua cirurgia automobilística, às vísceras tubulares e cinzentas e aos cancros nos pistons, com sorrisos, bochechas alaranjadas, cor de pêssego, e aspecto de quem esteve a viajar.


Legenda: Nesta fotografia contam-se dezanove quadros abrangendo um espectro eclético, que inclui imitações de quadros renascentistas – Rafaellos e Pieros della Francesca, retratos naïf do campo toscano, mas também arte moderna. Um vigésimo quadro, dentro do guichet, não está pendurado porque o mecânico já não tinha espaço para o colocar na parede.

Legenda: Fotografia de oficina mecânica em Lisboa. Ao fundo, à esquerda, podem ver-se dois dos vários posters-calendários retratando corpos femininos, de diversos anos desde 1989, que ornamentam este espaço.


Em Lisboa, os posters-calendários, como janelas, permitem ao mecânico mergulhar fundo em lugares quentes e suaves, e esquecer a frieza do metal das panelas de escape e a aspereza dos carburadores, regressando ao seu ofício para mexer nas entranhas dos motores com a delicadeza de quem toca numa mulher. Aliado a isso, o mecânico português não trocou a garagem pela Natureza: ao contrário do mecânico italiano, rodeou-se de janelas de Tempo, está fechado numa garagem mas conhece, como ninguém, as Estações, os equinócios e as luas novas.

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