quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Os minaretes

Não sei o que dizem os muezim através dos minaretes e, provavelmente, só o tolero quando me acorda ao nascer do sol, e depois outra vez durante a manha (sic), e quando me espaventa no final do dia, porque não o percebo. Suponho (tenho mesmo quase a certeza) que cantem versículos do Corão (tenciono perguntar; so ainda nao (sic) o fiz para poder escrever isto), mas faço arma da minha preciosa ignorância para dizer uma barbaridade como: tanto quanto sei quem está lá em baixo até pode ser um pregador brasileiro fluente em árabe a dizer pouco mais ou menos as mesmas coisas que diz no canal setenta e tal da nossa televisão por cabo. Mas é precisamente porque a ignorância dá espaço à imaginação que me permito uma outra consideração: para mim, como ideia, como conceito puro, o minarete (e o respectivo megafone) bate aos pontos o campanário e o sino.
Quando o digo, estou a pensar na TV Insónia, na rádio insónia também (não sei se existe com este nome, mas existirá com certeza com um nome diferente), nas linhas de apoio à vítima, na secção de livros espirituais da FNAC, nos velhotes sozinhos em casa no Natal, num adolescente fechado no quarto a ruminar técnicas de suicídio, nos intermináveis chats de auto-ajuda que constituíam o tema do meu Doutoramento não concluído, e estou a pensar em toda a gente que, mesmo tendo acordado muito bem-disposta, se esqueceu a meio do dia, porque lhe serviram um bitoque frio, foi chamada à atenção no seu trabalho, ou viu a namorada a divertir-se com outro tipo, tem toda a vantagem em, no matter what, permanecer simpática para os outros, com um sorriso estampado na cara, e, sobretudo, muito tranquila.
Como um periódico espiritual diário, como uma sirene de bombeiros para as combustões cerebrais, como um 115 que ninguém chamou para um sofrimento amordaçado, ou como viagem de submarino obrigatória às camadas profundas da vida – lufada de ar fresco sobre o comezinho, o rasteirinho, o antipatiquinho, esses inhos todos, que, merda!, não andamos aqui a pastar – aí está o cântico do minarete. Penetra paredes, penetra muros de prisões, janelas de hospitais, penetra o isolamento, penetra guetos, não faz caso de diferenças de status, janelas de BMWs, ou cores de pele, dispensando ainda a existência de uma televisão, de uma rádio, de internet, do livrinho de ensinamentos zen, dispensando sequer a força de vontade para o abrir e procurar palavras de conforto ou motivação, e pimba, toma lá uma estalada.
Não digo que adoptemos o islão – se quiserem, substituam os textos por poesia épica do Manuel Alegre (bem, se calhar ao fim de uns dias fartávamo-nos) – mas adoptemos os minaretes e respectivos Watts de potência. Uma coisa é certa, os árabes (pelo menos os marroquinos) são, estão, vivem mais bem-dispostos.

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