domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tentativa de retrato honesto de Marrocos


Deixamos (aqui falta um acento no "a", mas este teclado nao permite essa e outras sofisticacões) Marrocos para trás, e vem-me a vontade de fazer justiça a esta terra, pois que sobre ela se contam muitas patranhas.
Para ser sincero Marrocos parece um 6 de Maio gigante. Claro que há o deserto, e as medinas labirínticas, e os oásis, as aldeias de adobe nas montanhas, e as caixas de aguarelas compostas pelas cores dos sacos de especiarias nos bazares, o Atlas, que é formidável com ou sem neve, e todas essas outras coisas que também se podem ler e ver nos Lonely Planet e nos guias Michelin. Mas, para se ser objectivo, para se escapar a um romantismo descabido, ao sensacionalismo generalizado das arábias, à ditadura imagética das palmeiras, dunas e camelos, há que dizê-lo: as cidades marroquinas são um nojo. Regra geral, parecem ter acabado de sair de uma guerra civil. O planeamento urbano é absolutamente inexistente, metade do país pareceu comprar a tinta na mesma loja (está tudo tingido a salmão) dando aos lugares uma cor enjoativa (ainda que isto tenha uma explicação tradicional), e a outra metade ainda não juntou dinheiro para a tinta. Nos espaços entre esse crime urbanístico cor de salmão, prevalecem descampados medonhos e arenosos onde despontam ervas daninhas e flutuam charcos sujos, ha campos de futebol esquecidos, montanhas de entulho, lixo, e uma data de criançada entretida a fazer disto parque de diversões. No entanto, e é isto que é difícil corrigir num Lonely Planet mentiroso, e impossível de explicar a um turista desiludido mas submetido à ditadura de sete dias de estada programada e apressada, Marrocos é um país fabuloso. Marrocos são tapetes gigantes a secar ao sol, são plantações de sacos de plástico, e é o nosso auto-carro Relax a penetrar por isso tudo adentro, são parabólicas nas casas de colmo de famílias pobres de pastores, é um sorriso enorme, mas mesmo colossal, mas mesmo de desenho animado, com apenas três dentes, de um só lado, de um só maxilar, virados todos para o mesmo lado num ângulo impossível de uns 75 graus e disputando entre si a força magmática de algumas das cores do arco-íris: neste caso, sobretudo o verde, o amarelo, o laranja, e (um outsider) o preto. Marrocos é darmos por nós, ao fim de uns dias, a não sentirmos um mínimo de repugnância ou repulsa por estes sorrisos coloridos.
Mas Marrocos é sobretudo a terra dos mais incríveis mestres da hospitalidade que alguma vez conheci. Marrocos é esta coisa verdadeiramente extraordinária de chegar a uma cidade, pedir uma indicação sobre a direcção do centro, e acabar convidado para jantar, e depois para passar a noite, e depois o dia seguinte, e depois para ficar mais tempo, e de repente nos vermos a ter que convencer dez amigos e vinte familiares diferentes, que entretanto conhecemos, que temos mesmo que nos ir embora.
Se isto nos tivesse sucedido uma vez, eu diria que há pessoas acolhedoras em Marrocos; duas vezes, eu diria que a hospitalidade do povo marroquino é das melhores do mundo; mas como aconteceu sempre, mas mesmo sempre, com famílias ricas e com famílias muito pobres, como de, perdidos, nos vimos sempre subitamente sentados à mesa com as famílias de quem encontramos na rua, tratados com uma delicadeza inexplicavel, e com sorrisos que continuam a jorrar com o passar do tempo, vindos sabe-se lá de que fonte inesgotavel, tenho que formular uma expressão paradoxal e absurda do tipo: Marrocos é dos lugares mais humanos que conheço
Esqueçam os guias turísticos, ainda o não vi escrito em lado nenhum. Marrocos é sobretudo e apenas isto: se tivermos a predisposição necessária, é decidir atravessar a rua para comunicar com alguém que nos chama e despedirmo-nos com um grande abraço na madrugada seguinte. Se formos suficientemente parecidos com o vento, é decidir atravessar a rua para comunicar com alguém que nos chama, e acabarmos a viver casados, com filhos, a trocar camelos com esse tipo que entretanto se tornou nosso vizinho. Mesmo.
Peguem nos guias e metam la dentro escombros, dentes sujos, parabolicas, e muitos sorrisos. São essas as coisas que faltam.

1 comentário:

  1. oi chico.. ja no consigo escrever en portugues.. pero bueno.. tu blog està muy "fix", estoy a seguir un poco lo que hacen.
    Te deseo mucha suerte a Andrè tambien.. y yà..
    mexico està lindo pero hay que descubrir muchissimo todavia..
    Que te vaya bien !
    Besos
    Laura

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