quinta-feira, 16 de abril de 2009

Alentejo II


- A pressa mata. – atira-me, amigavelmente, uma voz familiar, ao ver-me passar numa rua de Kafountine, no Sul do Senegal.

- Levanta-te e trabalha malandro. – respondo-lhe, virando-me para trás, com um sorriso – As coisas não caem do céu. – Mas o preto franzino, de pescoço comprido e feições mastigadas e pachorrentas de camelo, torce o nariz, e faz-me uma careta desagradável. A verdade verdadinha é que acha incompreensível a minha pressa. Mas hoje estou naqueles dias em que esta multidão embasbacada – espanfa, como diz a minha avó – me faz impressão. Esta gente, de tanto o acharem (que estamos com pressa), de tanto fazerem questão de o dizerem (que nós estamos com pressa, e que eles não), às vezes, só merece mesmo é que lhes atirem à fronha o medonho óbvio: “é em parte por causa da minha pressa e da tua pasmaceira que, quando me sento ao teu lado, te pões a sonhar alto com pirogas mágicas que te levem para a Europa, enquanto eu venho para aqui esticar um salário europeu em quatro meses”.

Mas depois penso melhor e não digo nada: o argumento não é justo. Ele tem tanto de culpado em relação ao seu ócio, como eu de meritório por necessitar de ter uma to-do list rabiscada dentro do bolso para respirar. O livre arbítrio individual, o real potencial de auto-transformação comportamental, especialmente no que toca a neuroquimica tão basilar e primordial como a implicada na gestão e percepção temporais (gostaria muito de saber qual o verdadeiro potencial neuroquímico transformativo dos «Cursos de Gestão Temporal» para emigrados africanos que agora proliferam na Europa), não pode nada contra determinismos culturais da envergadura destes. Teríamos que nos pôr para aqui a despejar a responsabilidade no Sr. Ford, nos inventores das cadeias de montagem, no pragmatismo holandês e protestante, no Lutero. Já em relação a África, não sei… No Astro-rei? Por isso, o melhor mesmo é cada um ficar na sua, cada macaco no seu galho, e perpetuarmos a lengalenga.

- Onde é que vais com tanta pressa? – grita-me um tipo espojado numa esteira à sombra de uma árvore, esforçando-se por criar raízes, ao ver-me passar, qual meteorito em fogo, esforçando-me por queimá-las.

- E tu? De que é que estás à espera tão pacientemente?

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